terça-feira

Direitos Humanos: tema que merece um olhar aprofundado

Amigos,

O recém-lançado Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), que  tem sido alvo de diversas críticas, é tema merecedor de nossa atenção especial. Promover os direitos humanos faz parte da nossa opção de vida, de todo o nosso fazer diário.
A entrevista abaixo, com o secretário adjunto da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Rogério Sottili, ajuda a esclarecer melhor a proposta do Programa, de forma que quis compartilhar neste espaço com vocês. Boa leitura!

Ver. Paulino Abranches.



" A política de Direitos Humanos é um programa de governo, é um programa de Estado que não visa a ser executado (apenas) durante o governo Lula, mas deve ser executada nos próximos governos."

O senhor imaginou que o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) provocaria tanta reação, até mesmo dentro da Esplanada dos Ministérios?




Não esperava. O propósito do programa já foi construído com debate em todo Brasil. Há mais de dois anos estamos nesse processo de construção. No último ano, mais intensamente em toda a Esplanada dos Ministérios, em todos os poderes e com a sociedade civil. A repercussão que está ocorrendo e a polêmica em torno do programa têm um lado muito positivo e outro muito negativo. O lado positivo é que é muito importante e extremamente agradável, extremamente democrático, saber que um tema de tão difícil sensibilização dos setores públicos, dos setores políticos, tem provocado debate. O fato de as pessoas se debruçarem e dedicarem tanto tempo a esse debate é muito importante. O lado negativo disso é que lamentavelmente a gente vê um debate muito viciado, a partir de uma visão muito negativa dos direitos humanos. Mas até isso é parte da democracia, dos direitos humanos. Acho que temos que comemorar e enfrentar esse debate. Vamos aproveitar ao máximo para fazer com que o Brasil dê mais um salto importante na direção dos direitos humanos.



A reação dos ruralistas surpreende, ou já era esperada?



É até compreensível a surpresa porque são setores que sempre tiveram dificuldade de debater o tema dos direitos humanos. Nunca deram muita importância a esse debate e quando assistem a um programa que tenta sistematizar uma política de Estado para a questão dos direitos humanos, se sentem surpreendidos por isso.



Mas a própria surpresa com que as medidas foram recebidas também não surpreende o governo, na medida em que o programa apenas institucionalizou ações que já ocorrem, como as câmaras de conciliação de conflitos no campo, por exemplo?



Esse é o lado negativo. Mas nós vamos impedir isso. Vamos levar o debate para o bom debate. Eu digo que é viciado porque é um debate que já existia. Essa mediação de conflito já havia sido finalizada, de forma genérica, no PNDH-2, elaborado por Fernando Henrique Cardoso. É ruim ver que, quando se tenta fazer um debate tão importante, percebe-se uma tendência de tentar politizar a discussão do ponto de vista da campanha eleitoral. Tenta-se desgastar o governo utilizando o tema dos direitos humanos. Isso é ruim.



A criação das câmaras de conciliação recebeu críticas do setor do agronegócio que acredita que haverá mais violência no campo. O que o senhor pensa sobre isso?



A mediação de conflito é o instrumento mais moderno e impressionante que exite no Estado brasileiro para enfrentar o problema da violência. Ela não existe não só no Estado brasileiro, é experimentada por outros países também. [É tão moderna] que o CNJ [Conselho Nacional de Justiça], comandado pelo ministro Gilmar Mendes, colocou a campanha de mediação como um das mais importantes do [conselho]. O CNJ criou o Fórum Nacional de Acompanhamento de Conflitos Fundiários e o presidente Gilmar Mendes esteve pessoalmente, acompanhado do presidente do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] Rolf Hachbart, além do ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho, em Marabá, em dezembro. Em dois dias eles reuniram os juízes, os promotores, os movimentos sociais, os proprietários e resolveram, por meio da mediação, um conflito que existia há dois anos. Em 2003 nós tínhamos 49 mortes em conflitos agrários. No ano passado nós tivemos uma morte.



Mas então por que o senhor acredita que a mediação vem causando tanta polêmica?



O plano busca resolver pacificamente o conflito. Quem pode ser contra isso? Há setores que não têm interesse de resolver conflitos. Há setores que se alimentam do conflito e, em ano eleitoral, é possível que tentem aproveitar para tentar desqualificar o debate.



A SEDH tem dito que o debate para a construção do PNDH-3 envolveu toda sociedade e também todos os ministérios. Mas o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes se queixou que sua pasta não participou das discussões. Alijar o Ministério da Agricultura desse processo de discussão não pode comprometer as políticas voltadas para a paz no campo?A



O ministro Stephanes pode não estar bem informado. Isso pode ocorrer nos ministérios em função do dia a dia. Mas o fato é que todos os ministérios que tinham ações no PNDH-3 foram ouvidos, envolvidos, durante todo o processo de construção e de discussão do programa. Em julho, todos os ministérios receberam a versão inicial do PNDH-3. Foi dado a cada pasta um mês para que estudassem o plano, reagissem concordando, discordando, fazendo emendas, fazendo sugestões, alterando.



Houve resposta do Mapa [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento]?



O Mapa foi ouvido e recebemos de lá inúmeras respostas assinadas por vários secretários, coordenadas por secretários executivos. Mais do que isso, eles fizeram sugestões ao plano. O Ministério da Agricultura foi ouvido, teve participação na elaboração do programa.



O senhor poderia citar uma sugestão do Mapa aceita no PNDH-3?



O Ministério da Agricultura, por exemplo, solicitou ser um dos responsáveis pela garantia do direito de informação do consumidor, que prevê ações de acompanhamento de mercado, inclusive com a rotulagem dos transgênicos. A solicitação foi aceita e o Mapa aparece como responsável, ao lado dos ministérios da Justiça, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, além das agências reguladoras.



Mas a SEDH não extrapola suas funções ao propor medidas que são próprias de outras pastas do governo?



O PNDH-3 é inovador em vários temas porque ele consegue propor um programa que não é de responsabilidade da Secretaria de Direitos Humanos. É um erro pensar que o que está sendo proposto é uma política para ser executada pela Secretaria de Direitos Humanos. É muito mais do que isso. É um programa de governo, é um programa de Estado que não visa a ser executado durante o governo Lula, mas é uma política de Estado que deve ser executada nos próximos governos. O governo Lula teve o PNDH como norteador de sua política de direitos humanos o PNDH2 elaborado pelo governo Fernando Henrique Cardoso em 2002, que foi muito importante e o aplaudimos. O PNDH 3, que está sendo lançado agora, no final do governo Lula, é um programa tendo como visão uma política de estado. Educação é direitos humanos, então precisamos ter o envolvimento do Ministério da Educação, das secretarias de Educação. Saúde é direitos humanos. Então, é super importante considerarmos que essa questão de direitos humanos é muito mais ampla, por isso envolveu mais de 31 ministérios com ações específicas sobre ela. O [programa] é amplo porque os direitos humanos são amplos por natureza. Eles abarcam direitos civis, direitos políticos, direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais também.



Outro ponto nevrálgico do PNDH-3 é a criação da Comissão da Verdade, que terá o objetivo de apurar crimes cometidos durante o período da ditadura militar. Essa medida não fere a Lei de Anistia de 1979?



Em nenhum momento se colocou em debate o questionamento da Lei de Anistia. Esse questionamento da abrangência da lei sobre os crimes de tortura está no Supremo Tribunal Federal e não cabe a nós discutir o que já foi encaminhado para lá. Dizer que o plano revoga a Lei de Anistia é maquiar, é deturpar o bom debate. O próprio ministro Jobim [Nelson Jobim, ministro da Defesa] admite que o PNDH não implica a revisão da Lei de Anistia. Tanto é verdade, que a Diretriz 23 manda observar as disposições da Lei da Anistia (Lei 6683/1979).



Mas a Comissão da Verdade teria o objetivo somente de esclarecer os fatos, ou ela poderia esclarecer os fatos e punir os responsáveis?



Toda essa abrangência da Comissão da Verdade será definida pela comissão que vai elaborar a proposta de projeto de lei que será encaminhada ao Congresso. A limitação, a abrangência, os termos, tudo isso está em construção. O que está decidido pelo plano é que deverá ser criada uma comissão, dentro do limite da lei e dentro do limite constitucional.



Essa reação dos ministros de algumas áreas terá que ser equacionada pelo próprio presidente Lula que volta segunda-feira ao trabalho?



Sim, exatamente. Isso é natural. Para o presidente Lula, com a sua sabedoria, com a sua tranquilidade, tenho certeza que isso não será problema.