segunda-feira

Guerra do Paraguai: Duque de Caxias, estranho herói!?

A Guerra do Paraguai, a mais longa e devastadora da história da América do Sul, resultou no aniquilamento do Paraguai, o mais desenvolvido país de toda a América Latina até o início do confronto. Os combates se realizaram na segunda metade da década de 1860 e envolveram as forças armadas do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai.

“Em 1840, o Paraguai praticamente não possuía analfabetos. Seu desenvolvimento agrícola permitia-lhe produzir tudo quanto sua população necessitava e sua atividade industrial era capaz de produzir ferramentas, armas e outros utensílios”. Diante disso, conclui um autor que havia pouca pobreza no país. A nação mais desenvolvida da América do Sul protegia a produção local. Assim, a balança comercial era sempre favorável e a moeda era forte e estável. Claudius Ceccon (1986) afirma que as exportações paraguaias valiam duas vezes mais que as importações. Para Eduardo Galeano, a intervenção do Estado na economia era quase total, pois “(...) noventa e oito por cento do território paraguaio era de propriedade pública”.Durante o século XIX, a Inglaterra foi a potência hegemônica no mundo, ampliando constantemente seu império colonial e impondo sua vontade pela força, especialmente nos países ao sul do Equador”. (CAMPOS, 1983, p. 136). A independência dos países latino-americanos, com a honrosa exceção do Paraguai, o único destes ainda não penetrado pelo capital inglês, não era completa, pois eram dependentes do capitalismo mundial. Este país – o qual era o mais desenvolvido da América do Sul antes da guerra – ficou arrasado: sua população foi reduzida a uma pequena parcela e sua economia foi destruída. “Desde então o Paraguai não mais se recuperou, sendo até hoje um dos países mais pobres da América Latina”.

Os trabalhos desenvolvidos nos últimos tempos têm servido para melhorar a compreensão histórica sobre aspectos pontuais da Guerra do Paraguai.
Como exemplo, tem-se a contribuição de Ricardo Salles que permite rever a simplificação realizada na obra de Chiavenatto, a respeito da participação dos escravos no conflito.

Confundia negros com escravos, em um período no qual já era grande o número de libertos. Sem dúvida a participação da etnia negra e dos mestiços em nosso exército era predominante, visto a segregação racial imposta e a forma forçada de recrutamento. Contudo, não eram os combatentes, em sua maioria, escravos.

Outro aspecto importante, desenvolvido por Chiavenatto e confirmado por Magalhães, foi a negação dos habitantes de Entre Rios e Corrientes em seguir o seu líder, general Urquiza, contra o Paraguai.Urquiza, aliás, recebia cartas de seus companheiros repudiando a aliança com o Império do Brasil. Como a que lhe escreveu López Jordan, negando-se a atender seu pedido de lutar contra o Paraguai: ‘Você nos chama para combater ao Paraguai, Nunca, general. Esse povo é nosso amigo. Chame-nos para lutar contra os portenhos e brasileiros. Estamos prontos. Esses são nossos inimigos. Ouvimos ainda os canhões de Paissandu. Estou seguro do verdadeiro sentimento do povo de Entre Rios (CHIAVENATTO, 1983: 123).
A impopularidade da guerra na Argentina fará com que o exército daquela República, aos poucos, se retire da luta, para cuidar de suas disputas internas, deixando a caçada aos guaranis a cargo do Brasil. Quanto ao Uruguai, nunca chegou a mobilizar grande contingente para o conflito.

Caxias e Mitre chegam, até mesmo, a utilizar a guerra bacteriológica contra a oposição Argentina:
O General Mitre está resignado plenamente e sem reservas às minhas ordens; ele faz tudo quando lhe indico, como tem estado muito de acordo comigo, em tudo, até a que os cadáveres coléricos sejam jogados desde a esquadra como de Itapiru às águas do Paraná, para levar o contágio às populações ribeirinhas, principal-mente às de Corrientes, Entre-Rios e Santa Fé, que lhe são opostas.

Neste mesmo despacho, Caxias pede demissão do posto de comandante do Exército brasileiro no conflito, de um lado por temer uma derrota interna de Mitre na Argentina e uma aliança interna-cional contra o Brasil, e, por outro lado, por não querer continuar uma guerra que já considerava injusta.

O Conde d’Eu seguirá com a guerra de extermínio que ao final deixará a vergonhosa marca do genocídio praticado contra um povo que não se rendeu.

O esforço de guerra da sociedade brasileira, necessário para vencer o Paraguai, exigira um potencial de mobilização acima das capacidades aglutinadoras do Império. Criou-se uma Instituição a qual o Estado brasileiro, com suas contradições, não conseguiria administrar.

Segundo Wilma Costa:A contradição orgânica do Estado Imperial (...) é a de ser um Estado que não pode desenvolver adequadamente forças armadas profissionais para defender seus interesses últimos e, ao mesmo tempo, estar fadado a uma belicosidade crônica, isto é, só pode existir como Império (COSTA, 1995: 39).

É acertada a visão no que se refere ao papel que o Exército passa a ter, ou seja, de canalizar parte das contradições da sociedade imperial-escravista, que, após o conflito, terá os seus dias contados. Não tardará o período da República dos Marechais.

A História tem sido utilizada para vários fins. Quanto ao processo histórico original e originário da Guerra do Paraguai, verificamos como os interesses conflitantes de autores, permitem diferentes visões sobre o assunto.

A abordagem do tema permite analisar o papel do historiador frente às provas e às evidências, chegando-se à conclusão que a pesquisa é uma atitude mais ou menos sincera perante os fatos. Verifica-se, ainda, a dificuldade de discussão de um problema tão polêmico, revestido de tantos “tabus” que envolvem a idéia de “honra nacional”. Importante destacar as últimas tentativas de salvá-la, desenvolvida por uma corrente mediadora, que busca restaurar uma dignidade para o belicismo.
Sem dúvida, as conseqüências do conflito em questão são sentidas até os dias de hoje em todos os países envolvidos. É claro que em proporções diferentes –o Paraguai foi totalmente destruído e o que sobrou foi loteado, seja entre os Estados “ditos vencedores” (anexações), seja pelos capitalistas espoliadores europeus, portenhos e brasileiros.

Sobretudo para o Brasil, sobraram as dívidas junto aos bancos ingleses que financiaram a carnificina.

Aumentou a submissão econômica, política, social e cultural dos povos das na-ções “vencedoras”, que perdura até agora, momento de recrudescimento do modelo imperialista, comandados pelos EUA –que, por sinal, adquiriu sua hegemonia lucrando com guerras. Enfim, a sensação de que tudo poderia ser diferente, advinda da experiência sufocada no Paraguai (e, posteriormente, no Chile, na Nicarágua...) incomoda tanto, que nega-se historicamente a dar-se a importância cabível a um conflito de tamanhas proporções, que deveria envergonhar à humanidade como um todo –a exemplo de Auschwitz.
Acontece que os guaranis não sobreviveram para contar a sua versão da história...

Referência:

Despacho privado do Marquês de Caxias, Marechal de Exército na Guerra contra o governo do Paraguai, à S. M. o

Imperador do Brasil, Dom Pedro II, em 18 de Novembro de 1867. In CHIAVENATTO, p. 203.

Primeira fase do período republicano brasileiro, implementado por um golpe militar.

Os primeiros presidentes foram o Marechal Deodoro da Fonseca e, depois, Floriano Peixoto